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“Quando iremos olhar para outras qualidades na escola como a criatividade e a contribuição?”, questiona Carlos Rodrigues Brandão

“Quando iremos olhar para outras qualidades na escola como a criatividade e a contribuição?”, questiona Carlos Rodrigues Brandão

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Por Fernanda Peixoto Miranda

Os livros e as poesias estão tão incorporados à vida de Carlos Rodrigues Brandão que papéis e exemplares se acumulam por onde quer que ele passe. Certa vez, durante uma banca de avaliação de uma tese na Argentina, ele chegou a escrever três dos poemas de que mais gosta. “Lembro que, naquele dia, ficamos mais de cinco horas numa mesma sala. A poesia veio e eu não resisti”, brinca.

Natural do Rio de Janeiro, o educador e antropólogo nasceu em 1940, em Copacabana, entre os postos um e dois, o “Dois e Meio”, como ele diz, a uma quadra do mar. “Eu fui o próprio menino do Rio. Vivia na praia, tomava jacarés, fui escoteiro, escalei montanhas”, conta. Escritor desde menino, Brandão publicou mais de 90 livros, artigos e capítulos de livros de pesquisas e estudos em antropologia, poesia, literatura, educação popular e ideias em educação, como o famoso “O que é educação?”, da editora Brasiliense.

Brandão é autor do artigo de abertura do novo livro digital do programa Escolas Transformadoras, Criatividade: mudar a educação, transformar o mundo (disponível para download gratuito no link), lançado em São Paulo no dia 6 de junho. Em “Alguns passos no caminho de uma outra educação”, um texto poético e provocativo, o educador discorre sobre a falta de ousadia na concepção pedagógica e no currículo escolar.

Nesta entrevista ao programa, o autor compartilhou sua visão sobre os desafios contemporâneos na educação e defendeu a criatividade como tema substancial para a transformação das escolas. Confira!

Escolas Transformadoras do Brasil: Como você vê a escola e como acredita que ela deve ser hoje?

Carlos Rodrigues Brandão: Penso que as escolas hoje enfrentam muitos desafios. Você vê, uma escola transformadora, emancipadora, é um desvio, é a deriva. Por isso, para a escola se transformar, ela precisa muitas vezes enfrentar conflitos, como acontece quando um educador mais inovador pretende incorporar algo novo. Tem um filme da década de 1960, “O Vento Será Tua Herança”, que conta a história de um professor que é preso por ensinar teorias de evolução. O filme narra o julgamento desse professor por estar ensinando ideias indevidas. Então, você vê, esses desafios existem desde sempre.

Além disso, o mundo anda depressa e nem sempre as escolas acompanham. Sobretudo na sociedade moderna, a partir da Revolução Industrial, aconteceram muitas mudanças científico-tecnológicas. Tudo acontece muito depressa. A última revolução, que foi da informática, se realizou em poucas décadas. De repente esse dilema foi para o mundo da educação. A cada 5 anos o mundo não é mais o mesmo. Os estudantes têm acesso à tecnologia, à informação, que caminham muito mais depressa do que a escola.

ETB: E como ficam as escolas públicas nesse cenário?

Carlos Brandão: Nos séculos passados, as escolas públicas chegaram aos poucos no Brasil com uma dupla função: preparar o cidadão obediente e “urbanizar” os camponeses que vinham em massa para as grandes cidades, com o intuito de engajá-los nas fábricas. As escolas públicas chegaram com muito atraso. E eram escolas conservadoras do ponto de vista ético, patriótico, que impunham uma educação monolítica e centrada na individualidade.

Depois que surgiram essas escolas, começam a aparecer educadores, como Paulo Freire mais pra frente, que vão ser a pontinha mais moderna, que irão questionar essa educação conservadora em duas direções: uma em direção ao estudante, ou seja, contra a massificação e o embrutecimento desses alunos na escola, e outra em relação à própria função da educação.

ETB: E quais são as principais mudanças na educação que você e esses outros educadores reivindicam?

Carlos Brandão: Um conjunto de professores, professoras e profissionais dos mais diversos setores passam a reclamar pelos direitos dos educandos. O aluno não deve ir à escola para ser robotizado e devolvido como um número a mais na sociedade. Era preciso entender que cada um tem seus gostos, seus pendores. Era, e continua sendo, uma luta contra a repressão, o castigo e a repetição.

Paulo Freire, por exemplo, reivindica o direito de o educando ser o agente cidadão de transformação de si, dos outros e do mundo que vive. Estive na CONANE Paraíba [movimento nacional organizado por educadores. Em março deste ano, houve a primeira edição do evento na Paraíba, no município de Conde] e conheci escolas, como a Nossa Senhora do Carmo, que atuam muito nesse sentido de proporcionar a transformação e criar novos espaços de vida, estimulando a criatividade. São exemplos concretos de que é possível gerar experiências que poderiam ser a base de uma nova educação.

Uma pergunta que sempre faço é: quando é que os exames de avaliação vão deixar de avaliar apenas disciplinas como matemática, física e português e passar a olhar também para outras qualidades como a solidariedade, o espírito de equipe e a contribuição? Quando é que a gente vai parar de fazer avaliações para analisar o que uma criança de 4ª série precisa saber pra ir pra 5ª série, e começar a fazer uma avaliação do que uma criança de 8 anos precisa aprender para viver plenamente seus 8 anos? Quando iremos valorizar a arte de criar e de partilhar?

O Michel Foucault diz uma coisa muito bonita: “por que a vida de uma pessoa não poderia se tornar uma obra de arte? Por que uma lâmpada ou uma casa podem ser obras de arte, mas não a nossa vida?”. Entendo que ele está defendendo ali, o tempo todo, qual deveria ser a função da educação. Ou seja, a educação deve proporcionar ao educando a possibilidade de realizar-se em sua plenitude.

ETB: Você escreveu um artigo para o nosso livro digital, ‘Criatividade: mudar a educação, transformar o mundo” e também, junto a outros autores, organizou uma publicação sobre o tema, intitulada ‘Criatividade e novas metodologias’. Você costuma dizer que escreve porque tem um compromisso em abordar alguns temas. Por que o compromisso de escrever sobre criatividade?

Carlos Brandão: Eu não fui o primeiro. Os educadores que iniciaram o pensamento crítico na história da educação do país, como o Paulo Freire, que já mencionei, foram os primeiros a falar em criatividade, liberdade e autonomia. E ainda assim, muito lentamente. Esses autores vão propugnar uma inversão, ou seja, dizer que a educação não deve ser pública porque serve ao Estado, mas pública porque serve ao povo, às pessoas. O sujeito da educação é a pessoa e não o Estado.

Nesse sentido, a pergunta que faço em meus livros, em meus artigos, é: por que as crianças quando estão nas ruas, nos recreios, nos parques, são tão alegres, felizes e criativas, e quando chegam na escola vivem esse processo de embrutecimento?

Desde o meu tempo de colégio, nos anos 1950, vejo a escola se aproximando do que chamo de “ciências duras”. Sendo assim, a música, o desenho, a educação física e todas as disciplinas acabam se aproximando mais da rigidez do que da espontaneidade e da criatividade. No colégio em que eu estudava, quem era o melhor aluno de desenho? Aquele que era capaz de reproduzir, com régua e compasso, as mandalas e desenhos que o professor ensinava. Era o melhor “repetidor”. Hoje não é diferente.

ETB: No artigo “Alguns passos no caminho de uma outra educação”, você fala sobre a importância de “recolocar a política no centro do que se vive na escola.” Qual sentido você atribui à “política” nesse trecho?

Carlos Brandão: Eu preciso fazer uma referência muito simples e corriqueira. Suponha que num determinado momento uma escola decida criar uma gestão democrática. Já que a escola é uma comunidade, toma-se a decisão de eleger, a cada período, quem será a diretora, vice-diretora, coordenadora, etc. E nesse processo, a escola envolve não só os professores, mas também a comunidade, os alunos e funcionários. Abrir o jogo e todo mundo votar. Pois bem, aí você está discutindo uma questão política. Tem a ver com a gestão, com o diálogo entre todos que compõem uma comunidade.

Se nós queremos criar uma escola, uma sociedade e uma comunidade igualitária, livre, autônoma e corresponsável, isso tem que vir de uma construção. Por isso a própria ideia de que política é um jogo. Não existe nada pré-estabelecido, mas algo que tem que ser construído com diálogo – uma palavra-chave de Paulo Freire -, dentro de uma perspectiva de que política é exercício de criação, e não imposição.

ETB: O texto de apresentação do nosso livro digital sobre criatividade aborda o risco de a criatividade ser sequestrada pela lógica do mercado, reduzindo essa competência a um elemento que agrega valor a produtos e serviços. Como você vê essa questão?

Carlos Brandão: Eu concordo e vejo muito a ideia da criatividade sendo deslocada para uma mera conquista de um sucesso individual. O grande perigo é que as categorias que a gente trabalha, como criatividade e inventividade, estão num entre-lugar, num território de fronteiras, então esses valores também acabam sendo puxados para a lógica do mercado.

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SAIBA MAIS! Carlos Rodrigues Brandão é um dos autores do novo livro digital do programa Escolas Transformadoras, “Criatividade: mudar a educação, transformar o mundo”. Baixe e leia a publicação na íntegra clicando aqui.

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