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Escola Alan Pinho Tabosa: “A cultura da solidariedade estimula a inovação”

Escola Alan Pinho Tabosa: “A cultura da solidariedade estimula a inovação”

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Por Fernanda Peixoto

Mônica Mota é uma jovem escritora de 21 anos nascida e criada em um “lugar no meio do nada”, como ela descreve em seu primeiro livro. O cenário de sua infância e parte da adolescência é composto pela vegetação e poucas casas da zona rural do município de Pentecoste, no Ceará, a cerca de 15 quilômetros de onde fica a maior parte das escolas, o comércio e os poucos hotéis da cidade. Foi ali, no campo, que a escritora iniciou seus estudos e, aos seis anos de idade, escreveu sua primeira história.

Para ela, no entanto, 2012 foi um ano de mudança. Naquela data, o centro do município cearense de 35 mil habitantes passou a ser um cenário mais presente em seu dia a dia, graças ao início de seus estudos no ensino médio. A matrícula no 1º ano da Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa foi uma potente virada em sua trajetória, para muito além da paisagem. “A Alan Pinho foi um espaço em que pude me descobrir enquanto Mônica que sou hoje, contribuindo não só para a minha formação acadêmica, mas sobretudo humana”, conta. “Entrei lá com um histórico de problemas pessoais relacionados a abuso sexual na infância. Na escola, meus problemas foram acolhidos e isso foi de grande ajuda para o meu desenvolvimento.”

Cooperação e solidariedade são, talvez, as duas palavras-chave que melhor definam a orientação e as estratégias de aprendizagem utilizadas pela EEEP Alan Pinho Tabosa. Elaborada a partir dos princípios do PRECE que desenvolve projetos com o método da aprendizagem cooperativa, com estratégias de construção de conhecimento a partir da interação , a escola foi estabelecida inicialmente em uma parceria entre a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) e a Universidade Federal do Ceará (UFC).  

Tony Ramos é professor de filosofia na escola desde sua fundação, em 2012, mas seu envolvimento com a aprendizagem cooperativa se deu muito antes. É parte expressiva de sua trajetória de vida. “Eu estava trabalhando na UFC naquela época, e daí o professor Manoel Andrade, que é o coordenador do PRECE, eu e outros educadores fomos desafiados a introduzir o método de aprendizagem cooperativa nessa escola que estava, então, sendo inaugurada”, conta.

Aceitar o desafio de estruturar um projeto político-pedagógico baseado nos princípios da colaboração e do apoio não foi tarefa simples. Principalmente tratando-se de uma escola técnica, que, em tese, é voltada para o mercado do trabalho e para a formação de mão de obra qualificada. Como pondera o diretor da escola, Elton Luz, como olhar para a formação profissional e “conseguir encaixar e sincronizar a ela uma educação voltada para o desenvolvimento humano?”

O professor Tony responde. “Não tínhamos essa experiência em gestão, então tivemos de aprender juntos a assumir uma escola, a implementar algo que era novo. As pessoas estão acostumadas ao método da ‘educação bancária’ [no qual o professor detém e deposita seus saberes ao estudante, que passivamente os recebe], e não a um método humanizado. Então o impacto dessa nova proposta foi pra todo mundo, não só para os educadores”.

73,5% do total de estudantes de ensino básico do país frequentam escolas públicas. Fonte: IBGE

O uso da criatividade como estímulo para a construção da concepção da escola foi bastante explorada para que os professores, estudantes e todas as pessoas envolvidas nessa iniciativa pudessem pensar coletivamente em respostas e soluções para os desafios que surgiam. “Buscamos e estudamos experiências de aprendizagem cooperativa de outros países. Mas, sobretudo, construímos com tudo aquilo que a gente já tinha na bagagem, de nossa experiência de décadas com o PRECE. Fomos testando, errando e aprendendo, até chegar no modelo que a gente tem hoje. Quebramos a cabeça para conseguir inovar.”

Outro elemento necessário para o êxito da implementação da aprendizagem cooperativa foi o incentivo à autonomia dos estudantes que estavam chegando, para que eles pudessem apropriar-se de suas narrativas e sentir-se pertencentes à proposta da escola. Uma das estratégias utilizadas pelos gestores para atingir esse fim foi a implementação de uma disciplina complementar chamada Projeto de Vida, oferecida a todos os estudantes para que conhecessem a história de vida dos professores e seus colegas da escola. “Os laços foram sendo fortalecidos, e fomos criando um clima emocional agradável no dia a dia. A cultura da cooperação e da solidariedade não se faz só dentro da sala de aula, mas também na escola e na comunidade. Somos um só organismo. Isso facilita o trabalho, a inovação e nos ajuda a pensar em novas estratégias.”

A escritora Mônica Mota formou-se na Escola Alan Pinho Tabosa em 2014. Atualmente, vive em Fortaleza, onde faz graduação em Serviço Social. Contudo, os três anos de formação em ensino técnico na Alan Pinho ainda ressoam em sua vida. “Lá eu tive um contato humano muito forte, e isso contribuiu muito para eu falar das minhas emoções e outras coisas que não são relacionadas inicialmente ao ensino tradicional. É como diz o educador e escritor Rubem Alves: ‘Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas. A Alan Pinho são asas.”  

As asas da escola de Pentecoste ajudaram Mônica a impulsionar seu desejo de criar uma campanha contra o abuso sexual de crianças. Intitulada Todo Dia é 18 de Maio, a campanha faz alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, cujo objetivo é mobilizar a sociedade a se engajar contra a violação dos direitos de crianças e adolescentes.

A maioria dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorre dentro de casa; os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares. Fonte: Ministério da Saúde

A ideia surgiu no final de 2014, quando Mônica estava no 3º ano do ensino médio. “O município de Pentecoste tem altos índices de violência e de abuso sexual contra crianças. Também aconteceu uma questão de abuso na minha infância. Tudo isso, junto ao acolhimento da escola, fez eu me reunir com três colegas da minha turma e iniciar essa campanha.”

A partir de então, a jovem começou a fazer palestras e debates dentro do auditório da própria instituição, além de visitas em outras escolas do município. Essas palestras consistem em aulas de conscientização sobre o que é e como acontece a violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse passo inicial, Mônica resolveu centralizar seus esforços e passou a ministrar suas aulas ao público infantil. Para isso, reorganizou as práticas de suas palestras com o intuito de oferecer uma vivência mais lúdica para trabalhar com as crianças. “Com isso surgiu a ideia de escrever um livro infantil”, diz.

A capa do livro mostra o desenho de três macaquinhos. Acima, o texto: Tom, Elis e Chico.

Capa do livro “Tom, Elis e Chico”, de Mônica Mota, com ilustrações de Lia Britto

“Tom, Elis e Chico” conta a história de três irmãos macaquinhos que eram felizes e gostavam de brincar, mas de repente aparece uma mão que traz vários sentimentos estranhos a eles. “Ele surge como uma forma de ajudar a prevenir e combater o abuso sexual. Enquanto militante, defendo essa tentativa de ajudar a criança a saber identificar e diferenciar o toque bom do toque ruim.” Além da contação de histórias com o auxílio deste livro, e das palestras e rodas de conversa com crianças, adolescentes e adultos, Mônica e seus colegas ainda realizaram a primeira audiência pública contra abuso sexual infantil em Pentecoste, e organizaram uma corrida de rua cuja temática trazia a conscientização sobre o violência sexual na infância.

Embora esteja morando na capital cearense, Mônica costuma visitar Pentecoste aos finais de semana, e diz que deseja contribuir para o processo de desenvolvimento da região. “Existe dentro de mim um sentimento de pertencimento muito forte com minha cidade e com a Alan Pinho Tabosa. Tenho um vínculo intenso com a escola e, sempre que possível, volto para palestrar e participar das atividades. Deixei de ser estudante, mas me tornei uma parceira e colaboradora.”  

Para o professor Tony, esse forte vínculo de ex-estudantes com a Alan Pinho Tabosa se deve a uma única explicação. “Eu acho que a palavra é se importar. Se importar em ouvir o estudante, e em colocá-lo numa posição de protagonismo. A escola pública é um patrimônio do país. E se queremos produzir igualdade e democracia no Brasil, temos que começar daqui, de dentro da escola.”

A EEEP Alan Pinho Tabosa é uma das três escolas apresentadas no terceiro episódio da série ‘Corações e mentes, escolas que transformam’, dirigida por Cacau Rhoden. Organize uma exibição pública e gratuita deste episódio pela plataforma Videocamp.

Foto de capa: Maria Farinha Filmes

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