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Escola Amorim Lima: “A responsabilidade pelo processo de inclusão tem que ser compartilhada por todos”

Escola Amorim Lima: “A responsabilidade pelo processo de inclusão tem que ser compartilhada por todos”

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Por Raphael Preto

Leandro Brito Dias tem 12 anos, gosta de futebol e jogos de computador. O seu preferido? Minecraft. É interessado por geografia e política. Seu pai, Ricardo, diz que ele quer ser presidente do Brasil. O garoto não gosta de perder nenhum minuto de suas aulas na Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, em São Paulo (SP), onde estuda desde 2013.  

Com um ano e meio de idade, Leandro era considerado apenas uma “criança quieta”. O pai, ao notar que seu comportamento era distinto ao de outras crianças, começou a estranhar a postura do filho. “Se alguém ia visitá-lo em casa, ele não dava muita atenção. Não que fosse mal educado, mas definitivamente não estava interessado”, conta Ricardo. Isso acabou sendo um sinal de alerta que levou o pai a procurar um médico. A primeira tentativa, entretanto, não trouxe muitas respostas. Apenas um despreocupado doutor dizendo: “Seu filho vai falar quando ele quiser”. Evidentemente Ricardo não ficou satisfeito e foi procurar uma segunda opinião. Por ser funcionário da Universidade de São Paulo, o pai tinha acesso ao Hospital Universitário (HU), onde foi aconselhado a matricular Leandro em uma creche para promover a sua socialização. Na mesma época, a criança começou um tratamento com uma fonoaudióloga através do HU. Depois de uma avaliação, veio o diagnóstico, agora definitivo: “Seu filho é autista”.

A descoberta não trouxe alívio. Era apenas a indicação de que sua família iria começar uma difícil batalha por educação e cidadania. Algumas das primeiras experiências escolares de Leandro foram decepcionantes. “Ele chegou a estudar em uma creche em que tudo estava indo bem, até que houve uma troca de professor e o novo responsável pela turma disse que não tinha condições e preparo para cuidar do meu filho. Fui correndo procurar outro lugar”, lembra Ricardo.

Após uma breve passagem pela creche da USP, o garoto completou a idade para ser matriculado no ensino fundamental. Ele, então, se transferiu para uma escola onde chegou a ser alfabetizado. Entretanto, desenvolveu uma hiper sensibilidade ao barulho do sinal usado nas trocas de aula. Por isso, Leandro teve que procurar outra escola. Colegas recomendaram a Ricardo que ele tentasse uma vaga na EMEF Desembargador Amorim Lima, que não utiliza sinais sonoros.

Atualmente, já habituado ao dia a dia da Amorim, Leandro utiliza a tecnologia como auxílio em seu processo de aprendizagem, apropriando-se da internet como instrumento de pesquisa. Além disso, já programou mais de cinquenta jogos de computador no laboratório da escola. Essas foram apenas algumas de suas conquistas.

Uma mulher de cabelos cacheados e que usa óculos está sentada ao lado de uma estudante, que usa um casaco cinza. Juntas, elas olham para a tela de um celular.

Na imagem, a diretora Ana Elisa Siqueira ao lado de uma estudante da escola

“Na última Copa do Mundo ele teve um grande interesse por geografia. A gente teve até que trocar o nosso atlas que era antigo, estava desatualizado”. Pai e filho são corinthianos e o gosto por futebol ajuda Leandro nas aulas de história. Ao relacionar os fatos históricos com a trajetória do alvinegro do Parque São Jorge, o estudante encontrou uma forma eficaz de estudar.

A proposta pedagógica da escola privilegia o protagonismo e o despertar do senso crítico. Isso faz com que, ao longo do percurso acadêmico, o estudante conquiste sua autonomia. “A evolução do Leandro é muito clara, há um avanço, principalmente, na sua capacidade de se posicionar sobre suas vontades. Eu mesmo aprendi a me expressar melhor por conta disso”, confessa Ricardo.

A diretora da escola, Ana Elisa Siqueira, acredita que o segredo para um bom processo de inclusão é tratar toda criança como igual. “ É fundamental que o aluno, tenha ou não deficiência, esteja inserido na dinâmica da escola. Algumas mães acham que seus filhos vão ter uma atenção especial. Não é assim. Não vai ter um funcionário para cuidar de cada criança, até porque a gente não tem dinheiro pra isso“, alerta. A responsabilidade pelo processo de inclusão na escola é compartilhada. Toda criança estuda em grupos de até cinco estudantes. “No caso dos alunos com deficiência esse vínculo fica muito forte. Os colegas se sentem co-responsáveis em garantir a inclusão”.

Outro ponto fundamental para o processo de inclusão nessa escola é a sala de recursos, onde acontece o Atendimento Educacional Especializado (AEE), um serviço regulamentado pelo Ministério da Educação voltado a alunos com deficiência. Este departamento conta com um profissional que presta auxílio pedagógico para os estudantes com deficiência, num trabalho conjunto com os professores e tutores. Os atendimentos são realizados em um espaço específico. Ana Elisa confessa que inicialmente, tinha um certo receio de implantar a medida.”Tinha medo de que o aluno com deficiência ficasse apenas na sala de recursos e não tivesse participação efetiva na sala de aula. Mas hoje está funcionando bem”, comemora. Ricardo também aprova o AEE. “É a garantia de que o Leandro vai entregar as atividades”.

Como toda escola, a Amorim Lima também encontra dificuldades como, por exemplo, a falta de acessibilidade para cadeirantes. A instituição já solicitou diversas vezes à prefeitura verba para tornar a escola mais acessível. Mas esse pedido é sempre negado. Atualmente, há 60 estudantes com alguma deficiência estudando na Amorim.

Uma escola que valorize e coloque em prática a educação inclusiva é cada vez mais procurada por famílias de pessoas com deficiência. “No caso do Leandro nós nunca cogitamos a possibilidade de ele não estudar numa escola regular, com outras crianças sem deficiência. Ir para a escola pública é o correto“, defende Ricardo.  

No Brasil, segundo o INEP, há 896.809 mil alunos com deficiência matriculados em classes comuns. Destes, 77.102 são autistas. Ana Elisa reconhece que a maior procura por educação inclusiva obrigou as escolas, principalmente as públicas, a desenvolver uma política de inclusão “com o bonde andando”. Isso acabou forçando mudanças nas escolas e na formação dos profissionais da educação. “Na minha formação eu não tive nenhuma disciplina que discutisse o tema. Quando era professora, trabalhei com crianças com deficiência, mas sem saber nada de teoria. Hoje é diferente, as faculdades e a sociedade já têm uma preocupação maior com inclusão e aqui no Amorim Lima essa preocupação é ainda maior porque essa é uma escola que nunca diz não”, comemora.

A Escola Municipal Desembargador Amorim Lima é uma das três escolas apresentadas no quarto episódio da série ‘Corações e mentes, escolas que transformam’, dirigida por Cacau Rhoden. Organize uma exibição pública e gratuita deste episódio pela plataforma Videocamp.

Foto de capa: Maria Farinha Filmes

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