“Buscamos preparar os estudantes para a vida e não só para o vestibular”
Por Raphael Preto
Em dezembro de 1968, as expectativas para o Brasil eram as mais desanimadoras possíveis. Naquela data, um movimento de repressão e censura atingia todas as áreas do país, da educação à arte, passando pelo fechamento do Congresso Nacional e pela censura prévia de peças de teatro, músicas, imprensa escrita e televisionada. Na educação, muitos eram os professores “dedurados” por estudantes e chamados de comunistas. Esses educadores acabavam demitidos ou aposentados compulsoriamente.
Foi nesse contexto de restrição de liberdades e perseguição que foi criado, naquele ano, um curso preparatório para o vestibular na cidade de São Paulo que deu origem à formação do que conhecemos hoje como Colégio Equipe. Fundado por um grupo de estudantes egresso da USP, o cursinho do Equipe começou a funcionar no mesmo mês em que o governo militar editou o Ato Institucional Número 5 – o AI-5. Logo de cara, o momento histórico comprometia a continuidade de um projeto engajado com uma educação democrática e plural.
Muitos dos universitários daquela época tiveram uma participação marcante na luta contra a ditadura militar. Um exemplo: em outubro de 1968, um pouco antes da decretação do AI-5, um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi reprimido e cerca de 400 universitários que participavam do ato foram presos. O clima de radicalização política chegou à direção do grêmio da USP. Uma parte dos estudantes defendia a luta armada como enfrentamento ao governo e, outra, acreditava que a educação era a melhor arma. O Equipe nasceu desse último grupo, em uma cisão na estratégia de luta contra a ditadura.
O professor Gilson Rampazzo, que começou a lecionar Redação no Equipe já em dezembro de 1968, ainda guarda lembranças daquela época. “A minha geração enxergava o papel social da educação. Nossa intenção era fazer o indivíduo se sentir parte da sociedade e se envolver criticamente com ela”, afirma. A instituição nasceu com a preocupação de formar pessoas com um olhar questionador, o que ganhava ainda mais importância numa ditadura que se afirmava pela repressão e violência em vez do pensamento crítico. Mas o fato é que, ainda assim, o Equipe era um cursinho, e precisava preparar as pessoas principalmente para passar em provas. Na melhor das hipóteses, as turmas duravam nove meses.
Como enfrentar essa realidade? Provocando mudanças. A partir de 1972, o Equipe passou a oferecer também o ensino médio. Rampazzo explica que a atitude tinha relação com o compromisso de uma educação menos conteudista. “Criamos o colégio com a intenção de preparar alunos para a vida e não só para o vestibular.”
O Equipe foi se construindo simultaneamente à redemocratização brasileira. Em 1975, passou a oferecer também os anos finais do ensino fundamental (5ª até 8ª série) e, em 1994, os anos iniciais (1ª até 4ª série) e a educação infantil. O cursinho deixou de funcionar em 1982, consolidando-se definitivamente como uma instituição que oferece todos os ciclos da educação básica.
Luís Marcio Barbosa, diretor-geral do Equipe, detalha como é, hoje, o projeto político-pedagógico da escola. “Acreditamos que o aprendizado deve acontecer a partir da vivência, baseada na formulação de boas perguntas. Esse é o cerne da metodologia problematizadora, a ideia de que o processo educacional é feito de mediação e troca entre todos da comunidade escolar”, explica.
50 anos de Colégio Equipe
Depois de passar por quatro endereços, o colégio está fixado, atualmente, na São Vicente de Paula, uma rua residencial localizada no bairro de Higienópolis. No aniversário da escola, que completou 50 anos em 2018, a pergunta que norteou um trabalho de campo, que consistia em levar alunos, ex-alunos e professores para um passeio pelas antigas sedes da instituição, foi: “O que podemos aprender dos lugares por onde o Equipe já passou?”.
De tão potente, essa pergunta tornou-se a mola-mestre para a construção da narrativa de um documentário sobre o Equipe, que celebra seus 50 anos e deve ser lançado em 2020. A questão também gerou uma série de discussões sobre a utilização dos espaços da cidade. “Mudamos muitas vezes de sede e isso não é comum em uma escola. Geralmente as escolas ficam em um só lugar, até para que elas consigam formar seu público e criar raízes com a comunidade”, aponta a documentarista e uma das idealizadoras do filme, Moira Toledo, ex-aluna e membra da comissão que organiza as comemorações do aniversário da instituição. “Essa obra é sobre processos criativos e coletivos, tem alguns elementos de ficção e um narrador onipresente.”
O trabalho de campo citado acima não era obrigatório, mas ainda assim foi um sucesso de público. Dois ônibus ficaram cheios de alunos e ex-alunos que queriam investigar a história da escola – e também da cidade. “Uma das antigas sedes do Equipe, na rua Caio Prado, é muito próxima ao Parque Augusta, o que gerou um debate sobre a ocupação dos espaços públicos”, conta Moira.
“Foi um trabalho muito emocionante. Havia muitos professores que foram alunos do Equipe em diferentes épocas, e uma das nossas ideias era que os estudantes soubessem a história do lugar onde eles estudam e vivem. O estudante hoje está muito ligado ao imediatismo, com o agora, e infelizmente na maioria das vezes não conhece o passado da escola”, observa Renata Druck, documentarista e ex-aluna, que também participa da produção do filme.
Também, em comemoração ao aniversário da escola, será lançado neste mês, no dia 29 de outubro, o livro “Equipédia”, de Marcílio Godoi, que conta um pouco da trajetória de 50 anos do Equipe.
Fôlego e resiliência para enfrentar novas mudanças
O Equipe muda, mas algumas coisas permanecem. Enquanto estava produzindo e captando as imagens do filme, Renata Druck ouviu dos atuais alunos do ensino médio o que eles consideravam mais marcante na escola. A resposta foi unânime: os trabalhos de campo. Essas atividades são realizadas fora do espaço escolar e tem como foco a interdisciplinaridade, procurando incentivar a pesquisa e mostrar na prática o valor do que é ensinado numa aula. “Na época em que eu era estudante, o trabalho de campo foi muito marcante pra mim. É interessante saber que os locais onde eles são realizados mudam, mas os atuais alunos continuam reconhecendo a importância deles”, afirma.
Além dos trabalhos de campo, outra marca registrada da escola são os debates. Eles são organizados pelos estudantes, que definem os temas das rodas de conversa e a lista de convidados. Em 2018, por exemplo, a escola deu continuidade a essa prática e os encontros foram feitos a partir de uma pergunta: “Transformação social é possível?”. Esse eixo temático foi definido a partir de consultas aos alunos e foram debatidos temas como violência, exclusão social e política no cotidiano. Os debates fazem parte do currículo escolar para estudantes do ensino médio e também acabam ajudando na preparação para o vestibular. “Mas o currículo da escola não é definido tendo apenas como base a lista de conteúdos da Fuvest”, explica Luís Marcio.
O Equipe tem sua história marcada por mudanças. Mas uma coisa que certamente não se modifica é a busca por uma educação comprometida com a transformação social.