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“Quando as crianças vão à escola, elas não podem deixar suas emoções na porta da sala de aula”, reflete Susan MacKay

“Quando as crianças vão à escola, elas não podem deixar suas emoções na porta da sala de aula”, reflete Susan MacKay

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Por Flávia Sartori

Em entrevista ao Escolas Transformadoras, a pedagoga norte-americana Susan MacKay conta sobre suas experiências e aprendizados como diretora pedagógica da Opal School, localizada em Portland, Oregon (EUA). MacKay já inspirou milhares de educadores ao redor do mundo a expandirem o uso do brincar, das artes e da investigação criativa com o objetivo de apoiar o direito das crianças a ambientes educacionais de alta qualidade dos quais depende nossa democracia. 

Além de ser reconhecida como Escola Transformadora nos Estados Unidos, a Opal School é uma iniciativa da Children Portland Museum, organização que promove educação transformadora por meio de experiências de aprendizado lúdico. A escola funciona desde 2001 com a missão de fortalecer a educação, provocando novas ideias sobre ambientes onde a criatividade, a curiosidade e a maravilha da aprendizagem prosperem.  

Susan MacKay figura entre os 43 autores e autoras que assinam os artigos contidos no livro digital Criatividade – mudar a educação, transformar o mundo, recém-lançado pelo programa Escolas Transformadoras, uma correalização entre Ashoka e Instituto Alana no Brasil. A publicação já está disponível para download gratuito. Acesse aqui e leia. 

Escolas Transformadoras do Brasil – No seu artigo, “Explorando os nós do arame”, você diz que promover soluções criativas entre as crianças é uma maneira de aumentar a compreensão de conceitos como compaixão e empatia. Por quê? 

Susan MacKay – Criatividade requer relacionamentos entre pessoas. Um relacionamento no qual elas compartilhem ideias umas com as outras, conectem-se e respeitem os problemas individuais de todos. Nesse aspecto, a criatividade acontece quando existe esse tipo de relação dentro de um grupo e no qual todos pensam em soluções que tragam coisas boas para todos. Quando a solução surge dessa maneira, e é boa para todos, também é boa para as pessoas de maneira individual. Esse processo ajuda na construção de um senso de comunidade, de reflexões sobre o outro e da sensação de pertencimento a um grupo.  

Dessa forma, se a criatividade ajuda a participar de um grupo, a pertencer a uma comunidade, ela também colabora para a compreensão de que os outros têm os mesmos direitos. A necessidade de colaboração é construída a partir desse processo, da necessidade de abrir espaço para os outros. A noção de colaboração tem que ocorrer para ajudar todos a terem sua própria opinião. Isso tudo é parte do processo de criatividade que, consequentemente, ajuda na compreensão de conceitos como empatia e compaixão. 

A maneira como a criatividade é explorada comumente nas escolas e sociedade de modo geral parece bem diferente das práticas que você descreve no artigo e que você usa na Opal School. Como podemos mudar isso? 

Através da ciência conhecemos o processo de desenvolvimento de um cérebro humano e comprovamos que a compreensão das emoções está ligada a uma melhor aprendizagem. Quando as crianças vão à escola, elas não podem deixar suas emoções na porta da sala de aula. Mas existe essa ideia de que se nós, adultos, criamos o ambiente de forma lógica, as crianças podem eventualmente obter o que precisam. Isso nunca vai funcionar porque nosso cérebro não funciona assim. Não há separação entre a lógica e as emoções.  

Precisamos criar ambientes onde as crianças sejam convidadas a ocupar as escolas da maneira que elas são: inteiras, com sentimentos, experiências, hábitos e práticas. Precisamos reconhecer que não podemos simplesmente passar informações com base no que o sistema educacional formal acha que deve ser feito sem levar em consideração as crianças como seres lógicos e emocionais. 

É possível criar um ambiente para tornar esse espaço um local de apoio para que essas crianças tragam o que têm para esses lugares, para que sejam inteiras. Na Opal School, nós convidamos as crianças a trazer o que elas têm e a compartilhar suas ideias. É só a partir daí que nós começamos a fazer conexões, provocar reflexões e trazer aprendizados e conteúdos para a sala de aula. 

Em seu artigo, você descreve uma experiência em sala de aula usando artes para desenvolver senso crítico e solucionar problemas de maneira criativa e em grupo. Você pode trazer outro exemplo de práticas observadas na Opal School? 

Em Oregon as crianças estudam a história da formação do Estado, que tradicionalmente é contada de uma maneira vitoriosa e feliz, sem muita reflexão sobre os conflitos e guerras civis entre colonos americanos e os povos indígenas. Certa vez trabalhamos essa história com uma turma de crianças de 10 e 11 anos de idade, mas queríamos fazer uma conexão com fatos que estavam ocorrendo na atualidade.  

Na época trabalhamos com o que estava ocorrendo no governo de Donald Trump sobre políticas para imigrantes. Começamos discutindo sobre os movimentos de imigração, como lidar com a situação e com a ideia de criar muros para estabelecer limites de território. Até que em certo ponto, as palavras já não eram capazes de fornecer uma compreensão mais profunda daquela questão tão abstrata.  

Nesse momento pedimos às crianças que usassem materiais de artes para trazer uma solução criativa que explicasse como seria possível existir limites que não criassem a sensação de exclusão. Essa foi uma maneira de criar conexões em nível pessoal, local e global com o assunto. Foi também uma maneira de convidar os alunos a refletir uma questão complexa de maneira criativa. 

O que você acha que pode ser feito para professores trabalharem mais a criatividade para educar pessoas a saber resolver problemas (“problem-solvers“)? Que sugestão você daria a eles? 

Muitos professores que conheço estão sempre preocupados com as forças externas limitadoras, como as políticas públicas e a administração das escolas, mas eles não estão trabalhando para mudar isso nas salas de aulas, com as crianças. Esses professores precisam de suporte e precisam acreditar que eles mesmo já são agentes de mudança e que são capazes de apoiar crianças a se desenvolverem como seres criativos e transformadores.  

Precisamos criar uma comunidade de colaboração para empoderar esses professores – eles nunca experimentaram isso antes, por isso às vezes é difícil eles se enxergarem como agentes de mudança. Esse processo é lento e é preciso muita coragem porque é contra o status quo, é muito diferente do que eles mesmos aprenderam e viveram nas escolas na juventude. E eu não conheço professor algum que não esteja disposto a fazer este trabalho de transformação com seus estudantes. Mas eles precisam de apoio para criar uma conexão com essas crianças, com suas famílias e comunidade. 

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SAIBA MAIS! Susan Mackay é uma dos autoras do novo livro digital do programa Escolas Transformadoras, “Criatividade: mudar a educação, transformar o mundo”. Baixe e leia a publicação na íntegra clicando aqui.

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