“Formamos seres humanos que buscam o melhor para todos – e não só para si”
Por Carolina Prestes
Fotos: Escola Vila – Escola Transformadora de Fortaleza, CE
A Escola Vila, de Fortaleza (CE), é um das Escolas Transformadoras do Brasil. Fátima Limaverde, fundadora e diretora da escola, começou recebendo crianças três vezes por semana sempre preocupada em oportunizar experiências das quais as crianças fossem autoras. O objetivo era trabalhar o potencial criativo para que elas se sentissem capazes de realizar diferentes tarefas. Muitos pais perguntavam por que Fátima não transformava o projeto em uma escola. E, então, em 1981, junto com uma amiga, decidiu abrir a unidade de Educação Infantil da Escola Vila. Dez anos mais tarde, estenderam ao Ensino Fundamental.
“Abri essa escola com uma proposta inovadora. Nossos alunos não ficam 4 horas na sala de aula, saindo apenas no horário do recreio. Ficam no máximo 1h20 e circulam por outros ambientes, como a horta e a sala de artesanato”. Para Fátima, o valor máximo está em formar cidadãos que saibam respeitar o próximo e também o planeta: “Educamos nossas crianças despertando a consciência de que elas são parte de um todo. Aqui na Vila eles aprendem a plantar, colher e consumir o que cultivaram. Temos farmácia viva, horta, pomar, as crianças convivem com animais e também trabalhamos o reaproveitamento de materiais”, afirma a educadora, que acredita que os aprendizados devem ter ligação com a vida cotidiana dos alunos.
A Escola Vila possui uma pedagogia própria, a Pedagogia Ecossistêmica. Fátima, junto com um grupo de professores, criou um material didático próprio da escola, que pudesse abarcar todos os conteúdos a serem estudados. “Levamos 5 anos para finalizar esse material e contamos com o apoio de toda a comunidade escolar”. A coleção chama ‘Cuidando do Planeta Terra’, da Ed. Vila, e é formada por 6 projetos, que buscam envolver toda a comunidade nos processos de aprendizagem dos alunos.
Algumas escolas da rede pública já utilizam o material: “Meu sonho sempre foi disseminar os aprendizados destes anos de trabalho nas escolas municipais e estaduais. Conseguimos levar nosso material para algumas prefeituras e o resultado foi muito bom. Nossos projetos resgatam a cultura local”.
O livro ‘O ser na totalidade’, que integra a Coleção, possui quatro projetos. Num deles, ‘O ser na descoberta de suas raízes’, os alunos resgatam as histórias e os saberes dos povos que deram origem ao Brasil. Trabalha-se o dia do índio, o dia contra o racismo e pais e alunos são convidados a visitar comunidades indígenas e quilombolas. Todos aprendem juntos. (Para conhecer a coleção completa, clique aqui).
Fátima também busca garantir que seus alunos participem da vida política do país. Eles têm acesso a documentos legais, como a Constituição Federal, A Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente. No Projeto ‘Vigilantes do Planeta’, alunos e alunas são incentivados a escrever cartas para os tomadores de decisão, além de convida-los para seminários. “É fundamental que a gente trabalhe o exercício da cidadania e procure fazer com que cada aluno saiba que tem um papel e uma responsabilidade na sociedade. Despertar o interesse pelos problemas sociais, ambientais, políticos é tarefa fundamental”.
A educadora ainda ressalta que garantir o respeito às diferenças está entre os principais objetivos da escola. “Temos alunos de diferentes etnias, religiões, alunos com deficiência auditiva, física, intelectual e criamos um ambiente de convívio saudável e respeitoso entre todos”.
Questionada sobre qual o maior desafio da educação atualmente, ela afirma: “Trabalhar um material didático fragmentado, que não tem ligação com a realidade e nem diálogos entre si. Além disso, colocar alunos enfileirados, olhando um para o pescoço do outro. Isso para mim é um desrespeito aos alunos e aos professores. Alunos não querem saber de aula expositiva. Eles querem descobrir, pesquisar, criar, e têm todo o potencial para isso”.
Fátima diz que é urgente abrirmos espaço para o protagonismo, permitindo que crianças e jovens resolvam problemas: “O educador deve facilitar o processo e não entregar conteúdo de bandeja, só assim é possível haver uma mudança na educação”.
Materiais e métodos engessados, para ela, são grandes barreiras para reencantar a educação: “Alunos obrigados a ficar presos em salas de aula, sem o menor interesse no conteúdo, associam a educação a pior coisa da vida deles. E acaba sendo, pois o potencial deles de descoberta e de criação não é respeitado”.
Por isso, na Vila, a voz do aluno é valorizada e respeitada: “Essa história de aluno calado não funciona, as crianças precisam falar, aprender a ouvir, a discutir, a colocar seus pontos de vista. Precisamos de seres humanos que realmente construam um mundo diferente, que saibam de sua responsabilidade”.
*Fátima Limaverde, fundadora e diretora da Escola Vila, foi entrevistada por Carolina Prestes e Mariana Prado, do Programa Escolas Transformadoras.