“O ato de educar é coletivo”, diz educadora de escola comunitária.
Liderança da Escola Comunitária Luiza Mahin, de Salvador (BA), fala sobre os 27 anos da escola e a satisfação de ver seus alunos ocuparem o mundo
Por Carolina Prestes / Escolas Transformadoras
Foto: Acervo Escola Luiza Mahin
No último dia 9 de março, a Escola Comunitária Luiza Mahin, localizada na Península de Itapegipe, em Salvador (BA), completou 27 anos. Uma grande festa reuniu a comunidade na quadra da escola, afirmando, mais uma vez, que aquele é um espaço de todos.
Para Sonia Ribeiro, uma das líderes da Escola, um grande aprendizado destes 27 anos de história foi compreender que o ato de educar é necessariamente coletivo: “Nas atividades, sempre chamamos alguma liderança comunitária, para que as crianças entendam que escola não é só o professor e o aluno, mas a comunidade inteira”, diz a educadora.
Em 2015, a Escola foi reconhecida como uma Escola Transformadora, tanto pela forma como conduz o aprendizado de seus alunos como pela relação que estabelece com a comunidade.
Inspirada na abordagem de Paulo Freire, a Escola trabalha com a metodologia de projetos e busca dar sentido a tudo o que as crianças estudam. A presença da cultura afro-brasileira é determinante, tanto no currículo, como na constituição da própria identidade da escola: “Trabalhamos a questão da africanidade não apenas relacionada à estética, mas à questão da herança e da cultura”, afirma Sonia, que há 20 anos, dedica seus dias para mudar a realidade das meninas e meninos de Itapegipe.
Conversamos com a educadora, que falou sobre as conquistas e os desafios destes 27 anos de história. A Escola, que nasceu de forma tímida, hoje atende 275 crianças, passando a ser reconhecida por sua força e pelo comprometimento em formar pessoas capazes de transformar o mundo em um lugar melhor. Confira a conversa!
[Site] – A Luiza Mahin é uma Escola Comunitária. Poderia nos contar sobre o processo de criação da Escola?
[Sonia Ribeiro] – A Escola fica localizada em um local que, até pouco tempo, era tomado por água. O Governo do Estado realizou uma intervenção e aterrou a área, além de construir novas unidades habitacionais. Quando terminaram o trabalho, o prédio utilizado como base das obras ficou ocioso. Um grupo de mulheres se reuniu e ocupou o prédio, que logo virou a sede da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia. As reuniões iniciais eram focadas nas questões de moradia, mas, ao perceberem o grande número de crianças fora da escola, ficou decidido que a educação também deveria ser foco das reuniões.
Assim, em 1990, Lurdinha, Marilene e Sonia Rodrigues fundaram a Escola, que começou com duas salas improvisadas. Como o prédio não era adequado, foi preciso mobilizar a comunidade para adapta-lo. Os pais ajudavam na pintura, por exemplo. Depois, com a intenção de aumentar a escola, começou o que chamamos de “As mulheres da Laje”. Cada vez que sentiam a necessidade de ter mais espaço, as fundadoras construíam novos andares, com a ajuda de um pedreiro da comunidade. E elas que carregavam os baldes de concreto, para poder aumentar a escola.
[Site] – Por que o nome ‘Luiza Mahin’?
[Sonia Ribeiro] – O grupo que fundou a escola já tinha um envolvimento com o movimento social, principalmente com o movimento negro. No início, éramos conhecidos como “escolinha”, e passamos a sentir necessidade de construir uma identidade. Foi feita uma pesquisa para a escolha do nome e encontraram a biografia da Luiza Mahin. Na época da escravidão, ela já era livre, mas fazia quitutes para vender pelas ruas de Salvador, com o objetivo de juntar dinheiro e comprar a alforria de outros ‘irmãos’. A história da Luiza Mahin gerou uma identificação forte. Para ela não interessava a condição de ser livre, se outros irmãos não podiam ter essa mesma liberdade. Ela é uma fonte de inspiração que trazemos às crianças e, além dela, cada sala de aula da escola recebe o nome de uma heroína negra.
[Site] – A escolha do nome já indica uma intencionalidade no projeto político pedagógico da escola. Qual a importância da cultura afro-brasileira no currículo e como ela é trabalhada com os alunos?
[Sonia] – Nosso objetivo é valorizar a cultura dessas crianças e trabalhar o sentido de pertencimento. O trabalho é gratificante, e os resultados são vistos no caminhar de cada criança, nas palavras que utilizam e também no visual. Elas falam com propriedade e orgulho: “Meu cabelo é black”. Isso é fruto do nosso trabalho, que não é fácil. Algumas pessoas não concordam, acreditam que é um tipo de racismo às avessas, mas a gente tenta mostrar que estamos valorizando a história dessas crianças. Trabalhamos a questão da africanidade não apenas relacionada à estética, mas também como uma questão de herança e de cultura. Construímos a árvore genealógica de todas as crianças e eles percebem suas raízes e sua história e, no final do período, temos resultados muito positivos.
[Site] – Como vocês envolvem a comunidade no trabalho que realizam com as crianças?
[Sonia] – O nosso grande ganho foi quando percebemos que a escola não é apenas quatro paredes e que educar é um ato coletivo. Nós precisamos da comunidade e a comunidade precisa da escola. A escola tem que ser viva além dos próprios muros, deve ser um espaço de todos. Principalmente pra nós, que somos uma escola comunitária! Nós somos a escola mais pública das públicas, nossa raiz está na comunidade. Por isso, em nossas atividades buscamos envolver o máximo de lideranças comunitárias, para que as crianças entendam que escola não é só o professor e o aluno, mas a comunidade inteira.
[Site] – Muitas escolas ainda estão fechadas em seus próprios muros. Por que é tão difícil derrubar essas barreiras simbólicas?
[Sonia] – É preciso quebrar o paradigma de que o conhecimento esta na mão dos intelectuais. Isso impede de reconhecer a sabedoria daquela senhora que está ali na porta de casa e sabe a história do bairro ou daquele comerciante local que poderia explicar para as crianças sobre o valor do dinheiro. Temos que dar vida e voz a todos eles. O conhecimento não é só dos intelectuais. Ao mesmo tempo em que estamos nos alfabetizando, estamos nos letrando – e o letramento está no mundo, na vida. É preciso reconhecer esses outros saberes – que para tantos é senso-comum, mas para nós, da Luiza Mahin, é de muita importância.
[Site] – Em 2015, vocês foram reconhecidos como uma Escola Transformadora pelo Programa da Ashoka e do Instituto Alana. O que isso significou para vocês?
[Sonia] – Nós fomos indicados e ficamos muito felizes com o reconhecimento. Hoje, todos os professores têm muito orgulho disso. Estamos levando esse reconhecimento como um compromisso muito sério, internalizamos esse título e precisamos dissemina-lo para que todos se sintam parte disso – desde os alunos, até o pessoal da cozinha. Todos são parte desta escola transformadora.
[Site] – Quais as grandes conquistas desses 27 anos de Escola?
[Sonia] – São muitas! O reconhecimento que ganhamos ao longo desses 27 anos foi importante. Hoje não somos mais conhecidos como “a escolinha”, mas como “A Escola Comunitária Luiza Mahin”. E também a relação de diálogo que construímos com a comunidade. Além disso, é gratificante ver nossos alunos ocupando o mundo, mas mantendo um vínculo com a escola. Vira e mexe, temos convites de alunos que estão se formando na Universidade e dizendo que tudo começou aqui, na Luiza Mahin. Vê-los receber um diploma universitário é uma coisa especial.
[Site] – E qual um sonho que a Escola ainda deseja alcançar?
[Sonia] – Que as autoridades reconheçam a Escola, assim como a comunidade reconhece. O professor que trabalha na Luiza Mahin não é um professor qualquer, pois além do pedagógico, precisa ter a questão da militância. São muitas renúncias que temos que fazer, mas o retorno financeiro ainda é pouco. Eu gostaria de ver os nossos professores sendo reconhecidos, não só financeiramente, mas em suas garantias de atuar na área da educação como um professor de escola pública ou de escola particular.