“Fechou a porta da sala, quem manda sou eu”
Por Raquel Franzim
Foto: Wokandapix / Pixabay
A terceira versão da Base Nacional Comum Curricular será debatida em mais uma audiência pública nesta segunda-feira, dia 11 de setembro, em Brasília.
Nos últimos meses, temas como gênero, a matemática, a linguagem oral e escrita na Educação Infantil, entre tantos outros, ganharam vida em horas de reflexão e debate pela sociedade nas audiências.
De Manaus à Florianópolis, a pergunta que fica é: com a versão definitiva, teremos um documento legitimado pelos educadores? Ou, ouviremos ainda, nos corredores das escolas, a pergunta que intitula este artigo?
Em julho, tive a oportunidade de conhecer a Escola Municipal Prof.ª Acliméa de Oliveira Nascimento, em Teresópolis (RJ). Ao entrar pelo portão, tudo é parecido com outras escolas públicas do país. A goteira em uma das salas, apesar da recente reforma no telhado. A quadra descoberta como único espaço de brincadeira para as crianças.
Ainda que as escolas públicas tenham muito o que melhorar em infraestrutura, o que vi acontecer na escola da cidade serrana revela muita qualidade. Qualidade que deixaria muitos brasileiros que acreditam que só se faz educação exitosa na Finlândia de boca aberta.
Crianças debatem, pesquisam e compartilham conhecimentos com colegas de diferentes idades. Compartilham, debatem e pesquisam na escola pública com goteira na sala. Os temas eleitos são do interesse da garotada: sapos, aranhas, e o que quase nunca pode faltar, dinossauros! Ao contrário do que se pensa sobre crianças, as perguntas que estavam escritas nos portfólios e murais não eram simples. Saí de lá questionando a aprendizagem determinada pela idade.
“Por que cupins se alimentam de madeira? Por que coça tanto quando o mosquito pica a gente?” Perguntas que não estão prescritas em livros didáticos e que levam à inúmeros caminhos de aprender. Para a Coordenadora Pedagógica Gisele Gomes, o trabalho com projetos eleitos pelas crianças favorece um sentimento. “Aqui a gente assume o lugar de que não sabemos de tudo.”
Sinal de que categorizar conteúdos por idade pode inibir a aprendizagem e a autonomia de aprender. A diretora Luciana Pires traduz os equívocos do modelo de escola onde todos aprendem o mesmo, ao mesmo tempo. “Quebramos o paradigma de que tudo precisa ser igualzinho para todos.”
Isso só se faz possível quando a escola compreende que seu papel não pode ficar restrito apenas ao processo de ensino e aprendizagem de conteúdos, mas que precisa, sobretudo, pensar em quais habilidades são necessárias para que se continue aprendendo em um mundo em constante transformação.
Há uma profunda transformação nas relações de poder na escola quando crianças e jovens de diferentes idades convivem e aprendem juntos. Quem sabe? Quem aprende?
Na escola fluminense, ao vermos crianças de diferentes idades trabalhando em equipe, se tem a certeza de que é possível apostar em uma nova forma de viver em sociedade, mais plural e menos fragmentada.
A última audiência pública sobre a Base é uma oportunidade de revisitar o que se entende por ensinar e aprender e quais valores amparam essa relação. Além disto, o determinismo etário que impregnou o documento precisa ser contestado e pensado de maneira crítica. Ideia amplamente difundida na educação formal – especialmente após os estudos de Jean Piaget –, a divisão da aprendizagem baseada em etapas do desenvolvimento cognitivo rechaça a experiência interséries e as diferenças como a grande força da aprendizagem.
Não se trata aqui de não apoiar a Base. A Base é legítima, pois garante a todos a oportunidade de aprender independente da região onde se vive.
No entanto, para a equipe da Escola Acliméa, e de tantas outras escolas brasileiras, a Base, tal como está, acende um alerta: seu efeito colateral é fortalecer nas escolas o modelo hegemônico que temos atualmente. A separação de conteúdos, habilidades e crianças por idade.
Quando um professor fecha a porta da sala e diz: “aqui quem manda sou eu”, pode parecer um ato de insubordinação. Porém, diante da atual versão da Base, o mesmo gesto é a resistência necessária de quem faz da escola o seu espaço de autonomia.
Em meados de 2017, o Escolas Transformadoras realizou um debate sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a sua relação com a possibilidade de uma educação transformadora. Confira o debate na íntegra!
Confira na íntegra todas as audiências públicas que debateram a BNCC neste link.