Na Acliméa todos aprendem juntos!
Para Luciana Pires, diretora da Escola Acliméa Nascimento (RJ), a educação deve contemplar diferentes tempos e espaços e valorizar a diversidade
Por Carolina Prestes | Escolas Transformadoras
Foto: Acervo Escola Aclimea
As boas experiências em educação estão por toda parte. Se buscarmos nos quatro cantos do Brasil, encontraremos escolas que já estão rompendo paradigmas e construindo caminhos inspiradores rumo a uma educação transformadora. Uma dessas escolas é a EM Professora Acliméa de Oliveira Nascimento, que faz parte da rede de Escolas Transformadoras do Brasil.
Localizada em Teresópolis (RJ), a Escola foi fundada em 2009 e, desde então, busca aprimorar suas práticas sempre atentando ao desenvolvimento crítico, autônomo e autoral de seus alunos. Na Acliméa, a educação integral já é uma realidade: “não se trata de ampliar apenas a carga horária, mas principalmente os tempos e espaços de aprendizagem”, afirma Luciana Pires, diretora da escola.
Para estimular a autoria e autonomia discente, a escola adotou a metodologia de projetos, que coloca o aluno no centro do processo de aprendizagem, amparado por um professor que atua como mediador – e não detentor – do saber. Na Acliméa todos aprendem juntos. Para Izabel de Ciqueira, orientadora pedagógica da Escola, “o conhecimento é um processo em construção e o professor deve se perceber como aprendiz o tempo todo”.
A Acliméa também possui um canal aberto com a comunidade e valoriza a diversidade como essencial para a construção de um ambiente rico de aprendizagem. Outro ponto de destaque, que veremos na entrevista a seguir, é o trabalho de inclusão realizado, que nasce da crença de que cada ser humano é único. Confira abaixo a entrevista com Luciana e Izabel.
[Site] – Vocês trabalham na perspectiva da educação integral. Poderia explicar qual a importância desse trabalho e como ele ocorre na prática?
[Luciana Pires] – Vemos a educação integral como fundamental para a prática escolar. A ampliação da carga horária e, principalmente, a possibilidade de diferentes tempos e espaços de aprendizagem colaboram para uma constituição mais rica do sujeito. A nossa escola funciona de forma integral para todos os alunos. Ficamos das 7h40 às 16h com eles. As atividades da manhã ocorrem em consonância com as da tarde e, assim, fortalecemos as pesquisas e os trabalhos desenvolvidos.
O tempo ampliado também nos permite olhar para a criança com mais cuidado, conseguimos ver questões que vão além do pedagógico e buscamos estabelecer relação com as famílias e com a comunidade no geral. Temos o privilégio de estar 8h diárias com as crianças, e construir relações profundas, que nos revelam as necessidades de cada um.
[Site] – Por que decidiram trabalhar com a Metodologia de Projetos? Como ela funciona?
[Luciana] – Nessa metodologia o professor atua como mediador. A cada semestre, os alunos escolhem temas que os movem e defendem suas escolhas para os colegas, justificando a relevância do estudo. Uma vez decidido o tema, começam as perguntas e, nesse processo, o professor também se torna aprendiz. As perguntas desencadeiam hipóteses e, então, os alunos vão para a etapa de pesquisa, que realizam na internet, biblioteca ou no próprio campo. Ao final, o trabalho é sistematizado e publicado nos murais da escola, nos portfólios individuais e, principalmente, nos seminários, momento em que os alunos participam ativamente, expondo suas pesquisas e descobertas. É um pouco diferente do que vemos nas escolas tradicionais, onde o professor determina o que levar e de que forma trabalhar com os alunos. Aqui os alunos têm a possibilidade de escolher o que querem estudar, eles participam e refletem sobre todo o processo de aprendizagem.
[Izabel] – Os alunos fazem os projetos, e as professoras fazem o link com a matriz curricular. O projeto é como se fosse uma linha para interligar tudo o que eles precisam aprender: produção de texto, análise linguística, matemática, etc.
[Site] – Quais os benefícios dessa metodologia?
[Luciana] – Essa metodologia da aos alunos autonomia, desperta o interesse pela aprendizagem, propicia a criticidade e fortalece o trabalho em equipe e o exercício da empatia, de estar junto e poder ajudar o outro. O aluno torna-se o núcleo da ação, envolvendo-se diretamente com todo o processo de construção do conhecimento.
[Site] – Como é a atuação do professor neste trabalho?
[Luciana] – A metodologia que adotamos mexe com concepções e estruturas de trabalho pré-concebidas. Muitos profissionais não se adaptam, pois é dolorido romper com nossas certezas. Para participar de um trabalho como esse é importante que o professor esteja aberto e se envolva num trabalho de construção coletiva. É um exercício diário.
[Izabel] – O professor assume papel de facilitador e mediador e não detentor do saber. E isso não significa que ele desceu de patamar e está sendo desvalorizado, muito pelo contrário. Agora ele tem que estar mais atento, o papel é até maior. Estar na sala mediando um assunto que as crianças trouxeram é muito mais desafiador. Ele tem que estar buscando e pesquisando o tempo todo; percebendo o que os alunos buscam.
[Site] – A Aclimea rompeu com modelos engessados de educação. Existe um processo reflexivo sobre as práticas que vocês realizam?
[Luciana Pires] – São muitas as conversas que nos levaram a chegar ao modelo de educação que temos hoje. Uma educação que limita e molda está longe do que acreditamos, optamos por fazer diferente. Para isso, a equipe docente, os coordenadores pedagógicos e os gestores da escola reúnem-se diariamente para planejar, estudar, discutir e avaliar as ações desenvolvidas. São encontros para reflexão, que ocorrem ao final do turno, todos os dias.
Temos também encontros com os pais. A comunidade é muita envolvida com os trabalhos da escola. Acreditamos que a educação é um processo de transformação da humanidade, que não se faz caminhando sozinho, mas em coletividade. Se não fosse a comunidade, nenhuma ação da Aclimea seria possível.
[Site] – Como é feita a integração com a comunidade?
[Luciana Pires] – Nós temos parcerias com artistas da comunidade ou do próprio município, pessoas que desenvolvem trabalhos sociais e que vem aqui conversar com nossos alunos, conhecer a escola e a nossa proposta. Também temos parcerias ampliadas, com um asilo, por exemplo. Com isso buscamos que as crianças estabeleçam trocas e construam conhecimento a partir de relações externas à escola.
[Izabel] – A metodologia de projetos facilita a parceria com a comunidade. Nossas crianças escolhem o que vão estudar e, então, nós procuramos pessoas influentes naquele assunto e as convidamos para trocarem com os alunos. Buscamos dar significado para o que eles estão estudando.
[Site] – Uma aprendizagem com significado também passa pelas emoções, certo?
[Luciana] – Sim! Perceber a influencia do emocional na aprendizagem é essencial, torna as ações da escola qualitativas no sentido de zelar pelo bem estar do aluno e poder ajudá-lo nos seus conflitos, sejam estes internos ou externos. Buscamos fazer da nossa escola um espaço de acolhimento, em que o aluno possa legitimar uma fala que muitas vezes não é ouvida. Valorizamos muito o diálogo dentro da escola, é pela reflexão e pelo diálogo que conseguimos modificar as nossas ações. Tentamos ser um espaço que valoriza tudo o que é essencial para as relações humanas.
[Izabel] – As questões emocionais, às vezes, são os entraves na relação da criança com a aprendizagem. Valorizamos o diálogo e parceria com as famílias, para saber a melhor forma de trabalhar com cada aluno.
[Site] – Qual é a importância de ouvir os alunos?
[Luciana] – É ouvindo os alunos que vamos melhorar nosso trabalho. Neste ano (2016) criamos as Assembleias Escolares. Nestas Assembleias as turmas se reúnem para discutir temas que consideram relevantes. Também usam esse espaço para resolução de conflitos.
[Izabel] – É importante que os alunos entendam a origem dos conflitos. Pensar o que podem fazer para mudar ou evitar determinada situação, sem passar pela ideia da punição.
[Site] – Como valorizar e acolher a diversidade dentro da escola?
[Luciana] – Trabalhamos com bastante ênfase a concepção da diversidade e da diferença. As crianças devem entender que não precisam ser iguais aos outros para serem aceitas, na verdade, elas jamais serão iguais a ninguém, pois são únicas. O trabalho de inclusão existe de acordo com cada criança, com cada necessidade. Não guiamos nosso processo de inclusão a partir de laudos e comprovações, mas do reconhecimento de cada criança como única. A inclusão ocorre pelas diferenças. Temos alunos com autismo, síndrome de down… Todos estão integrados nas atividades, que são adaptadas à necessidade de cada criança. O processo de inclusão envolve todos os sujeitos. Todos ganham.
[Izabel] – Buscamos fazer o exercício contrário: descobrir as possibilidades de cada criança e, a partir dai, ir traçando metas para que elas se desenvolvam.
[Site] – Quais os ganhos que a diversidade proporciona à comunidade escolar?
[Luciana] – São muitos. Vou pegar um que vivi em sala de aula. Os alunos adoram desenhar uns para os outros. Um de meus alunos fez um desenho para um colega com deficiência visual. Ao entender que o colega ‘enxergava’ de forma diferente (pelo tato), ele fez o desenho todo pontilhado, para que o amigo percebesse o carinho com que foi feito o desenho. Esse exemplo deixa claro como todos ganham.