CIEJA Campo Limpo (SP)
O meu desafio era não repetir o que deu errado. E só com uma gestão democrática isso poderia ser feito: ouvir da comunidade o que ela pretendia para a escola.”
Eda Luiz
Diretora do CIEJA Campo Limpo
O Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Campo Limpo, situado na zona sul da cidade de São Paulo, é um espaço acolhedor e permanentemente de portas abertas para toda a comunidade. A escola surgiu com a proposta de atender alunos excluídos da educação. Por meio da educação popular, acolhe um público bastante diverso: adultos, jovens e alunos em inclusão. Para tanto, a escola tem estreito vínculo com a comunidade, uma vez que oferece escuta aos estudantes para decidir coletivamente todos os assuntos pertinentes à tentativa de qualificar a educação oferecida.
Quando foi inaugurada, em 1998, a escola funcionava como um Centro de Educação Municipal de Ensino Supletivo (Cemes), em que o aluno estudava por um sistema apostilado a fim de realizar as avaliações periódicas. Inspirado pelo Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova), criado por Paulo Freire, o centro passou a promover uma transformação do programa, articulando as áreas de conhecimento. Ao deixar de se caracterizar como um projeto para ser reconhecido como um programa da prefeitura de São Paulo, aprovado no Conselho Municipal de Educação (CME), o centro adquire autonomia curricular. Contando hoje com incentivo federal, o CIEJA Campo Limpo é referência na educação de jovens e adultos por atender e ouvir sua população de forma indiscriminada, aberta e cidadã.
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Certa vez, a diretora do CIEJA Campo Limpo, Eda Luiz, ouviu de um ex-aluno: “Depois que aprendi a ler e a escrever, passei a ser gente”. Quando nos conta isso, a diretora faz a seguinte reflexão: “Se aos 50 anos ele passou a ser gente, o que era, então, antes disso?”.
Partindo desse raciocínio, o CIEJA não poderia reproduzir o ensino regular na construção de sua identidade. Era preciso ir além, ao reconhecer o aluno como trabalhador, integrante de uma família e protagonista de uma história. Ignorar isso seria negar o seu potencial de aprendizagem. Para a diretora, a experiência de vida e de superação de desafios dos estudantes foi realizada fora da escola. Quando, portanto, eles estão diante da necessidade de alfabetização, deve-se considerar uma enorme bagagem de aprendizado e de história.
Para construir um lugar de igualdade e, principalmente, de humanidade, foi preciso considerar o desenvolvimento de valores. Por isso, a escola pauta seus princípios em 11 valores, que direcionam o trabalho da instituição em todas as suas relações: acolhimento, alegria, amor, bem-estar, confiança, cuidado, ensino e aprendizagem, liberdade, respeito, responsabilidade e solidariedade.
De natureza diversa, o CIEJA Campo Limpo incentiva a autonomia em seus alunos, que são sujeitos participativos de todo o funcionamento da escola.
Para propagar sua experiência e influenciar os diversos segmentos e o poder público, o CIEJA Campo Limpo promove parcerias e voluntaria-se em favor de outras experiências públicas e privadas. Além dos alunos que atualmente presidem ONGs, vale citar dois exemplos: uma ex-aluna cadeirante que hoje dirige a Associação de Cadeirantes da Cidade de São Paulo e um ex-aluno que, antes mesmo de se alfabetizar, já era um renomado chef de cozinha.
O secretário de Educação, Alexandre Schneider, também representou parceria importante na posição do CIEJA Campo Limpo como referência nacional na educação de jovens e adultos. Depois que visitou a escola, na ocasião em que os centros integrados de educação de jovens e adultos corriam o risco de fechar, desafiou-a na elaboração de um projeto único, que pudesse reger o funcionamento do programa.
A diretora Eda Luiz defende que a escola seja aberta a todos, e alerta: “Quanto mais fechada, mais os problemas ficam presos dentro dela”. Como em um apelo, ela ainda diz: “Depois da família, somente a escola pode acompanhar o desenvolvimento das pessoas. Se a família não tiver condições de fazê-lo e a escola fechar suas portas, os educandos estarão abandonados”.
Os educandos têm voz e escolha dentro do CIEJA. A cada início de ciclo, a escola propõe uma nova situação-problema, que condiz com a realidade do grupo. A partir de uma problemática, os estudantes fazem o levantamento de hipóteses, deliberam e analisam, para, enfim, formar um conceito. Para Eda Luiz, todo o processo tem que ser significativo ao aluno. “A escola tem que conhecer seu público e seu espaço para, finalmente, perguntar: ‘Qual é o meu papel?’”, diz a diretora.
Esse questionamento constante faz do CIEJA um espaço de reflexão crítica em potencial. Não à toa, assuntos como tolerância racial, assédio sexual e discussão de gênero fazem parte de debates na rotina escolar. Na sala de aula, ao mesmo tempo que articulam opiniões, os alunos exercitam a escuta e a consideração pelo outro e refletem sobre as desigualdades que permeiam as condições da mulher na sociedade, além de debaterem sobre machismo, homofobia e transfobia.
A autonomia curricular da escola revela a inovação em seu projeto pedagógico. As disciplinas tradicionais, divididas em quatro áreas de conhecimento, configuram um modelo de currículo mais flexível e integrador. Como complemento para essa integração escolar, todas as aulas fazem uso do apoio da comunidade, trazendo discussões e saberes dos moradores e utilizando recursos humanos, físicos e financeiros dispostos no território.