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Ashoka lidera construção coletiva de propostas para as políticas do ensino médio

Ashoka lidera construção coletiva de propostas para as políticas do ensino médio

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Mais de dois anos após ter sido sancionada, a reforma do ensino médio continua sendo pauta central de discussão nas escolas, dada a complexidade dos desafios que envolvem essa etapa da educação básica. Apenas para citar um deles, a evasão escolar no ensino médio é ainda um dos maiores desafios educacionais a ser combatido: atualmente, mais de 1,5 milhões de jovens entre 15 e 17 anos estão fora da escola no país.

Mas se, segundo os críticos, a reforma que veio para alterar a atual estrutura do ensino médio não soluciona muitos dos desafios e necessidades das escolas e dos territórios aos quais pertencem, quais seriam então as propostas e possíveis caminhos que podem atender às demandas dos educadores, dos jovens e de todos os atores da comunidade escolar? Dito de outra forma: quem é contra a reforma é a favor do quê?

Provocados por essas e outras questões que envolvem a construção de novos caminhos para o ensino médio, a Ashoka Brasil, representantes da Faculdade de Educação da USP e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação estão à frente de uma iniciativa que tem por objetivo coordenar a construção de propostas para o ensino médio. A iniciativa Construção Coletiva de Propostas para as Políticas do Ensino Médio conta com o patrocínio do Instituto Unibanco e da Fundação Santillana e tem o apoio do programa Escolas Transformadoras e da Associação Cidade Escola Aprendiz.

Na foto, uma mulher ministra uma palestra para a plateia. Ao lado dela, há um telão com o texto: "Quero na escola"

A participação das famílias na vida escolar foi o tema do último encontro da Ashoka. Participaram os movimentos Quero na Escola, Caravana Itinerante da Juventude e Rede em Movimento

Desde o ano passado, o grupo está realizando uma série de encontros no auditório da Faculdade de Educação da USP com o intuito de formular e encaminhar propostas de ensino médio junto à sociedade civil, contemplando temas como currículo e participação das famílias na vida escolar.

O próximo encontro do grupo em São Paulo acontecerá no dia 15 de junho, às 9h, e será completamente gratuito e aberto para qualquer um que tenha interesse no tema. Inscreva-se aqui. Esses encontros também irão ocorrer no segundo semestre nas regiões sul, centro-oeste, nordeste e norte. O processo deverá gerar um documento final em torno do qual se possa estabelecer uma interlocução produtiva com autoridades do poder público.

Mais informações no site: https://www.politicasensinomedio.org/

Reforma do ensino médio

A reforma do ensino médio foi estabelecida por meio de uma medida provisória em 2016 e convertida em lei em fevereiro de 2017, após sanção do então presidente Michel Temer.

A equipe do Escolas Transformadoras, motivada em compreender as dúvidas e discussões ainda presentes nas escolas sobre o novo ensino médio, conversou com Rafael Ribas Galvão, Diretor de Ensino, Pesquisa e Extensão do IFPR – Campus Jacarezinho, e Elton Luz, diretor do EEEP Alan Pinho Tabosa, ambos membros da comunidade do programa, para falar sobre as mudanças que a reforma tem trazido para o chão das escolas. Confira:

Escolas Transformadoras: Muitos dos que são críticos à reforma dizem que o debate sobre a alteração estrutural dessa etapa de ensino praticamente não ocorreu. Qual é a avaliação de vocês?

Rafael: As mudanças foram feitas de uma forma muito rápida. Os processos que envolviam a participação das escolas foram atropelados. É preciso mudar o ensino médio, mas não do modo que foi feito. Erraram o método, o caminho e a direção. A discussão tinha que ter começado no chão da escola, com a comunidade. Então avalio que o caminho escolhido foi totalmente inverso ao que deveria ter sido.

Penso que a primeira coisa que a gente precisa se perguntar é: o que queremos mudar no ensino médio? Tem coisas fundamentais para serem resolvidas, como a evasão escolar, a reprovação, a exclusão, o desânimo, a violência, o vandalismo. A escola precisa ter sentido para o estudante. Se ele não está motivado a fazer algo, ele vai fazer por má vontade, ou simplesmente não fazer.

Então havia mesmo essa necessidade de mudança. Mas aí você pega, por exemplo, os chamados “itinerários formativos” do novo ensino médio [que define que a carga horária do ensino médio será dividida entre as disciplinas obrigatórias (como português e matemática), que ocuparão 60% do tempo, e os itinerários formativos, 40% do tempo, que o estudante escolherá conforme seu interesse. Nesse conteúdo optativo, o aluno poderá se concentrar, caso haja a oferta, em cinco áreas de conhecimento: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional]. O problema é que esses cinco itinerários não serão ofertados em todas as escolas. Ou seja, o aluno poderá escolher apenas os itinerários que forem oferecidos pelo sistema. Então ele não vai escolher nada, quem vai escolher é o sistema.

Elton: E a gente está falando de um ensino médio que propõe cinco opções de itinerários formativos numa realidade em que não há ao menos um quadro suficiente de professores.

Rafael: Isso! Quando fui coordenador em uma cidade do Paraná, próxima à Curitiba, conheci um município onde só tinha uma escola estadual na cidade e outra na zona rural. Na falta de professores na escola rural, uma educadora que tinha formação em pedagogia era obrigada a dar aula de filosofia, física, matemática, inglês. Sabe? Essa é a realidade. E aí você vai dizer que esses alunos vão poder escolher entre cinco itinerários formativos? Isso não existe. Eles não podem nem escolher ter aula de matemática com um professor de matemática.

Elton: E como o Rafael falou, a preocupação começa pela forma como o processo foi conduzido. Não abrir a discussão para um debate mais estruturado já mostra que não há interesse em ouvir os principais interessados, que somos nós, os educadores, a escola. Não à toa, estamos discutindo já há algumas décadas sobre a importância de ouvir o estudante, a família, o porteiro da escola. Só assim iremos ressignificar o processo de ensino.

ETB: Vocês poderiam trazer outros exemplos de pontos da reforma que consideram frágeis?

Rafael: Muitas questões ainda precisam ser esclarecidas. Como, por exemplo, a ampliação de escolas em tempo integral [a reforma incentiva o aumento da carga horária escolar para cumprir uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê que, até 2024, 50% das escolas e 25% das matrículas na educação básica, incluindo o ensino médio, estejam no ensino de tempo integral]. Essa discussão vem acontecendo sem esclarecer o que aconteceria com o ensino noturno e a inclusão de jovens e adultos. Não tem como existir uma educação de jovens e adultos se a gente seguir o cronograma proposto pelo MEC. Como é que o trabalhador, numa educação noturna, vai ficar oito horas na escola? Ele mal consegue ficar quatro, por conta do seu horário de trabalho e deslocamento. Ele tem família. Então essa é uma preocupação que a gente tem, com as especificidades de cada escola.

ETB: Como as competências transformadoras, como empatia, protagonismo, trabalho em equipe e protagonismo, devem ser consideradas nesse contexto da reforma?

Elton: Essas competências são o caminho para gerar e garantir a aprendizagem. Ou nós, enquanto escola, começamos a discutir isso ou a reforma não vai fazer sentido nenhum. Em um contexto de avanço da desigualdade no país, em que as escolas estão ficando cada vez menos atrativas para os estudantes, considerar e respeitar as emoções dos estudantes talvez seja o único caminho possível para mantê-los na escola e para contribuir com o desenvolvimento de todos os alunos.

ETB: Vocês têm discutido a reforma do ensino médio na escola, com seus alunos, com a comunidade escolar? Como tem sido?

Elton: Na Alan Pinho Tabosa, a gente tem caminhado nessa tentativa de fortalecer os espaços de escuta. Não vemos outra forma de agir se não ao lado de uma comunidade escolar que entende qual é a escola que ela quer.

No ano passado, criamos  um espaço na escola chamado “fórum de liderança”, onde a gente reúne as lideranças que foram eleitas por cada turma, e essas pessoas são convidadas a participar de encontros com o objetivo de melhorar a comunicação entre todos nós da escola. Nesse espaço, eu fui surpreendido por falas como: “estou sentindo que estão me ouvindo pela primeira vez”.

A Ashoka, a Faculdade de Educação da USP e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação criaram um acervo online com documentos, referenciais teóricos e outros materiais que ajudam escolas, governos e educadores a refletir sobre as políticas de ensino médio. Confira aqui. 

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