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A educação deve acolher os diferentes saberes e interesses das crianças e jovens

A educação deve acolher os diferentes saberes e interesses das crianças e jovens

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“Valorizamos as potencialidades de cada criança e trabalhamos para dar o alimento adequado para cada um”, afirma Luiz Carvalho, professor de jardinagem da Escola Transformadora Dendê da Serra (BA)

Por Carolina Prestes / Escolas Transformadoras
Foto: Escola Rural Dendê da Serra

Imagine caminhar em meio às árvores, ao som dos passarinhos e atravessar uma ponte sobre um rio para chegar ao portão da escola. Um tanto inspirador. Um tanto encantador. Isso é uma realidade para os alunos da Escola Rural Dendê da Serra, localizada em Uruçuca, no Litoral Sul da Bahia.

Fundada em 2001, no curral de uma fazenda, a escola começou tímida, com poucos professores que, alinhados à Pedagogia Waldorf, dedicavam-se a atender a comunidade local. Hoje, a Dendê da Serra recebe 208 alunos do Ensino Infantil e Fundamental. Aos poucos, a escola foi crescendo e a essência de seu trabalho, voltado para a comunidade rural, se fortalecendo.

Constituída como um Projeto Social, a escola recebe recursos de diferentes fontes – umas das principais provém dos pais pagantes, que representam 42% do total de alunos – os demais são bolsistas. A ideia é garantir a diversidade na escola: “A nossa missão é atender prioritariamente as famílias de baixa renda da comunidade de Serra Grande e do entorno dela, e propiciar a convivência de crianças de diferentes origens sociais”, afirma Égila Passos, responsável pela área de comunicação da escola.

Os pais são bastante ativos e engajados nas ações da escola. “Existe um trabalho constante para mobilizá-los e chamá-los à participação. Esse é um principio da Dendê da Serra”, afirma Luiz Carvalho, professor de jardinagem da escola.

Geralmente, os pais aproximam-se a partir do envolvimento com as atividades que lhe interessam e com as quais se identificam. Luiz afirma que a escola tem uma estrutura grande e que o envolvimento da comunidade é fundamental para a permanente construção da escola. Os pais participam da resolução de problemas, refletem sobre a proposta pedagógica e integram os grupos de trabalho, divididos de acordo com as necessidades que surgem: desde apoiar a organização de eventos até participar dos processos de captação de recursos da escola. “As pessoas são cativadas pela proposta da Dendê. Os pais se sentem bem e querem estar junto”, afirma Julia Saldanha, responsável pela área de captação de recursos.

Alunos na aula de circo: desenvolvimento da cosnciência corporal é prioridade na escola

Alunos na aula de circo: desenvolvimento da consciência corporal é prioridade na escola

Sobre a riqueza que brota da comunidade, Silvia Reichmann, fundadora e professora da Dendê da Serra, afirma: “uma escola é núcleo vital de uma região; dela irradia a vida social e cultural”. E assim é a Dendê, local de reunião e de ebulições culturais.

Na pedagogia Waldorf,seguida pela escola, busca-se mostrar para a criança, principalmente até os 07 anos, que o mundo é bom. “Tentamos criar o amor pela natureza, por exemplo. Vivenciamos os ciclos da terra de uma forma tão bonita que quando as crianças crescem, já possuem um real amor pelo planeta e, depois, com 14, 15, 16, na fase das bandeiras e dos ideais, eles se incomodam com o desmatamento, com a escassez de água e se engajam naturalmente nessas causas”, afirma Luiz.

Essa construção de relações profundas com o meio ambiente também se dá na convivência entre as pessoas, que é estimulada a partir de princípios como a igualdade, o respeito e o amor ao próximo. Neste cenário, a escola demostra que valoriza a empatia, e trabalha diariamente para que as crianças e os jovens possam desenvolver uma postura resiliente e amigável em relação ao mundo e suas complexidades.

Égila destaca que a relação entre alunos e professores é extremamente afetiva: “Eles criam vínculos de amizade muito fortes e isso facilita o processo de conversa e de resolução de conflitos. Aqui as crianças confiam nos adultos e isso favorece o nascimento de relações amorosas” e Luiz complementa: “Existe um sentimento forte de realização conjunta e solidariedade”.

Hora da colheita: na Pedagogia Waldorf preza-se por admirar e reverenciar a beleza da vida e da natureza.

Hora da colheita na Dendê da Serra: na Pedagogia Waldorf preza-se por admirar e reverenciar a beleza da vida e da natureza.

Crianças e adultos colocam-se numa relação de aprendizagem mútua. “Na Dênde valorizamos as potencialidades de cada criança e trabalhamos para dar o alimento adequado para cada um, buscando harmonizar a turma” explica o professor de jardinagem, ilustrando que aquele aluno que não é tão bom em matemática ou música, pode ser excelente no plantio e que esses diferentes saberes são valorizados: “Procuramos estimular essas habilidades para que todos possam desenvolver autoconfiança”, diz Luiz.

A relação entre os alunos também é permeada por afeto e respeito. Égila assegura que os gestos de carinho são muito espontâneos: “Os próprios alunos se ajudam, se abraçam. É muito natural”, afirma. O desenvolvimento emocional é um tema caro para a Dendê da Serra. “Valorizamos muito riqueza de sentimentos do ser humano, então, as vivências sempre carregam um carácter emocional e artístico”, afirma Luiz. A escola também olha com bastante cuidado para o desenvolvimento da consciência corporal da criança e do jovem, estimulando atividades como a dança, o teatro e o circo.

Na Dendê as crianças encontram um espaço para ampliar suas vivências, experiências e seu repertório e isso parece contribuir para que a comunidade escolar siga unida: “Esse ano tivemos uma grande participação de ex-alunos ajudando na reforma da escola. É um amor que continua”, diz Égila.

A escola trilha um caminho de educação bastante diferente do padrão – o mote não está no desenvolvimento de competências que focam no vestibular ou no mercado de trabalho; muito pelo contrário: olha-se para o desenvolvimento integral do ser humano, Ali, a consciência corporal e a emocional têm tanto ou mais valor do que os saberes que tradicionalmente espera-se de um escola, como o português ou a matemática. “É interessante ver a adaptação deles em outras escolas. Geralmente, os relatos que temos das escolas mais tradicionais é que os nossos alunos se adaptam rapidamente e se destacam por sua criatividade”, afirma o professor de jardinagem.

Autoconfiança e autonomia bem consolidadas, na opinião de Luiz, são características fortes que decorrem do trabalho da escola: “Eles desenvolvem raciocínio logico junto com o desenvolvimento das habilidades corporais e emocionais e isso dá segurança”, afirma o professor.

A construção desse trabalho que rende bons frutos é diária. A Dendê da Serra privilegia a formação continuada de seus professores, que se reúnem semanalmente para a troca de experiências, reflexões sobre as práticas e planejamento de aulas integradas. Por se tratar de uma Escola Waldorf, é necessário, além da formação primeira em pedagogia – ou licenciaturas – que o professor curse os 4 anos de formação Waldorf.

Reconhecida como uma Escola Transformadora em 2015, a Dendê da Serra integra a comunidade das 15 escolas brasileiras que estão provocando transformações no cenário educacional brasileiro. Sobre tal reconhecimento, Égila afirma: “É importante estar em rede para participar ativamente da sociedade e das discussões”. Em decorrência desta visão, Silvia Reichmann, diretora da escola, é uma pessoa bastante ativa dentro do Município de Uruçuca e da comunidade de Serra Grande, atuando diretamente na luta pelos direitos das crianças e jovens da região.

*Foram entrevistados para essa matéria Égila Da Silva Passos, responsável pela área de Comunicação da Dendê da Serra, Julia Saldanha de Aguiar, responsável pela área de Captação de Recursos da escola e Luiz Orlando Carvalho, professor de jardinagem da escola. Conduziram a entrevista Carolina Prestes e Mariana Prado, do Programa Escolas Transformadoras.

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