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Carta aberta de uma ocupante

Carta aberta de uma ocupante

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Por Leticia Andrade, aluna da Escola Estadual Manoel Ciridião Buarque

Hoje, blogs, sites e colunistas estão abrindo seus espaços para que estudantes de São Paulo possam falar, usando suas próprias vozes, sobre a experiência que estão vivendo de se juntar e lutar contra o projeto de reorganização das escolas da rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Todos os textos serão reunidos pela hashtag #OcupaEstudantes.

O site do Programa Escolas Transformadoras tem a honra de abrir espaço para Leticia Andrade, aluna da Escola Estadual Manoel Ciridião Buarque:

Como toda história tem seu lado ruim, a minha não seria diferente. No começo foi muito difícil falar com meus pais. Pedir para dormir na escola, então, nem se fala. Quando resolvi que iria mesmo a contragosto, minha mãe ficou dois dias sem falar comigo. Ela não entende que tudo o que eu estou fazendo é para construir algo que vai melhorar a vida de todo mundo no futuro. Meu pai um dia me falou que uma pessoa a menos na escola não iria fazer falta, mas mal sabem eles que faz, sim, muita diferença.

Cansei de ouvir gente me dizendo que tudo o que eu estou fazendo não vai dar em nada, que estamos perdendo nosso tempo. Teve pai de aluno que veio buscar o filho com chinelo na mão. Acho que a pior parte de tudo isso é conseguir falar e convencer nossos pais, porque eles são mais velhos e têm medo de que algo aconteça com a gente. Mas olha, o Alckmin já deu o primeiro passo. Agora só queremos que ele diga que nunca mais fechará nenhuma escola, porque não é desse jeito que se faz uma educação de qualidade.

Mães e pais, o que está acontecendo comigo e com outros jovens são aprendizados que levaremos para o resto da vida. Sim, estamos aprendendo. Eu e o pessoal da escola estamos cuidando muito melhor dela do que se tivesse alguém para fazer isso. A gente está pintando o palco. Encontramos materiais guardados que nunca foram usados (tinha até massa de biscuit vencida). Nossas aulas de arte seriam bem melhores se a gente pudesse usar as telas e tintas que estavam lá pegando poeira. Estamos limpando a escola todos os dias para que fique bonita e limpa. E nas outras escolas não é diferente.

Estamos aprendendo a resistir. Lembro que no primeiro dia de ocupação, eu e um grupo de quinze pessoas fomos bater de porta em porta para pedir alimento. Foi aí que começaram as doações e isso nos ajudou e nos ajuda bastante até hoje. Com a ocupação eu fiz amizades que eu nunca pensei que faria, conheci pessoas extremamente gentis de outras escolas e até mesmo de outro estado – dois meninos do Rio de Janeiro vieram nos conhecer e dar apoio e, com isso, acabei fazendo uma bela amizade com eles (o Iuri e o Lucas). Aprendi a ter mais responsabilidade, a ouvir as outras pessoas. Aqui todos têm sua tarefa: tem a cozinha, a limpeza, a segurança, entre outras coisas.

É engraçado como eu me sinto em casa dormindo aqui na escola. Todos já chamam as salas de quarto. Além de estar convivendo com meus amigos, eu acordo e aprendo a hora que eu quero e coisas muito diferentes, tipo ioga, aula de comida vegana e muitas palestras culturais. Agora eu pergunto: quando que a gente teria isso em um dia de aula normal? Acho que nunca.

Eu não sou mãe ainda, mas com certeza se um dia meu filho ou filha quiser participar de uma manifestação, eu estarei lá para apoiá-lo(a) e aconselhá-lo(a) sobre o que ele(a) pode fazer. Vou dizer pra ele(a) que, quando você está andando, cantando e lutando pelos seus direitos com um monte de alunos que também querem lutar, a sensação é inexplicável. Tipo um “a gente pode, a gente consegue”. Meus olhos vão encher de lágrimas quando lembrar, já mais velha, que nasci para fazer parte dessa luta. Que tivemos Emicida, Criolo, Maria Gadú, Tiê e outros cantando pra gente. Que paramos a Avenida Paulista com uma roda linda e pacífica.

Enquanto os anos não passam, porém, e estamos aqui, ainda ocupados, quero pedir apoio a quem ainda não entendeu nosso papel – e dizer que muitos sofreram com bombas da polícia e apanharam para poder lutar com a gente. Mas também quero agradecer imensamente a todos que nos ajudaram. ESSA LUTA NÃO ACABOU! São mais de 150 escolas ocupadas e se o Alckmin não mudar de ideia, já vou avisar que a vaquinha para a ceia de Natal está acontecendo…

“Todas as escolas são escolas de luta, fica preparado que se fechar nós ocupa” #OcupaCiri

Foto Roberto Parizotti/Secom CUT

Comentários

2 thoughts on “Carta aberta de uma ocupante

  1. Maria Cristina dos Santos

    Fico emocionada em presenciar as ocupações, o quanto esses adolescentes aprenderam em tão pouco tempo, de forma significativa.
    É uma pena que muitos aprenderam direitinho de submissão.

    Orgulhosa desses jovens!

    Estamos juntos!!

    Senhores educadores, nossos crianças, adolescentes não cabem mais na caxinha.

  2. Mais do que nunca essa caixinha precisa mudar!

    Já não é mais rebeldia, não podemos deixar que a ilusão da tecnologia, principalemtente a da comunicação, produza a ilusão que o mercado quer.

    Essa caixinha precisa mudar, e viva a Educomunicação.


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